Lula: “Se o dinheiro chegar na sua conta, pegue e coma, senão o Guedes toma”

O povo brasileiro abraçou a causa do desenvolvimento e da soberania nacional representada pelo movimento Vamos Juntos Pelo Brasil, liderado pelo ex-presidente Lula e o ex-governador Geraldo Alckmin. Em entrevista ao UOL, nesta quarta-feira (27), Lula reafirmou seu compromisso com o combate à fome e a geração de renda para a população, por meio do crescimento e da distribuição das riquezas do PIB. A entrevista foi concedida aos colunistas Kennedy Alencar, Alberto Bombig e Carla Araújo, com transmissão ao vivo pela TvPT e pelas redes de Lula. Na conversa de quase duas horas, Lula voltou a dizer que o povo não irá cair na demagogia eleitoreira de Jair Bolsonaro.

Lula comentou o desespero de Bolsonaro, às voltas com uma provável derrota em outubro, motivo pelo qual foi aprovada a PEC eleitoreira, também chamada de Auxílio Picolé.  “As pessoas vão pegar [o auxílio] e não vão votar nele. Tenho dito o seguinte, se o dinheiro chegar na sua conta, pegue e coma, senão o Guedes toma”, brincou. “Depois, dê uma banana no lugar do voto”.

Em tom sério, Lula falou sobre medidas urgentes para combater a fome e retomar o crescimento do país. “Quero que o povo pobre deixe de ser pobre. As pessoas têm de parar de pensar que pobre gosta de coisa de segunda, carne de segunda, feira de segunda. Não, a gente gosta de tudo de primeira, o povo quer comer bem, se vestir bem, ganhar bem, passear, ir a um restaurante”, enumerou Lula. “O pobre quer ser doutor, e é isso que vou garantir”, assegurou.

A ascensão dos mais vulneráveis à condição de classe média nos governos petistas incomodou a elite do país, apontou Lula. “É isso que gerou tanto ódio, ‘ah, o aeroporto tá cheio de gente, virou rodoviária, é a desgraça do Lula”, lembrou. “Pois eu quero mais pobre viajando de avião”, reagiu Lula.

Programa de reconstrução

Lula detalhou pontos de seu programa de governo, como a retomada de programas exitosos e de pastas hoje extintas e que foram importantes em seus mandatos e nos de Dilma Rousseff. “Pretendo retomar algumas políticas que foram sucesso”, anunciou Lula. “O Minha Casa, Minha Vida é um programa que precisa ser retomado. Foi o mais importante programa habitacional feito, que levava em conta que as pessoas que não podiam pagar [por uma casa] e a gente subsidiava. Foram contratadas mais de 4 milhões de casas”, destacou.

Sobre o Bolsa Família, Lula enumerou as políticas condicionantes e que o tornaram referência internacional. “O Bolsa Família não era um programa eleitoral”, disse Lula, comparando com o Auxílio Brasil de Bolsonaro. “Mudar de nome foi uma bobagem. Vamos retomar o Bolsa Família com R$ 600, óbvio que é preciso levar em conta o número de pessoas na família, não será igual para todo mundo”.

Salário mínimo e PIB

Lula reafirmou o compromisso com a volta do reajuste do salário mínimo acima da inflação, como ocorreu no seu governo e no de Dilma. Foi o gatilho de reajuste anual que permitiu um aumento real da renda dos brasileiros, possibilitando inclusive a saída do país do Mapa da Fome das Nações Unidas em 2014. “Antes de eu ser presidente, na década de 80, se dizia que aumentar causava inflação. Nós subimos o salário mínimo em 74% e não houve aumento da inflação”, insistiu.

“Todo trabalhador terá direito à reposição inflacionária e aumento em relação ao PIB. Só interessa o PIB crescer se for para distribuir. Distribuir riqueza é distribuir o PIB. Se o PIB cresce e a gente não distribui, só alguns ficam mais ricos e o povo vai continuar pobre”.

PAC

Ele destacou que a recriação do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) será muito importante na geração de empregos. “Vamos retomar obras, fazer um novo PAC”, previu. Lula reiterou que uma das primeiras medidas será uma reunião com todos governadores para fazer um levantamento das três principais obras em cada estado, de infraestrutura, para gerar empregos. “Para a gente começar a trabalhar antes do carnaval,  não há muito tempo, são quatro anos”.

“Os ministérios que eu tinha, irei recriá-los. Ministério da Igualdade Racial, dos Direitos Humanos, da Pesca, vou criar um das causas indígenas, e terá um índio. Não precisa ser um branco de terno e gravata. Eles estão preparados, se formaram, conhecem o problema deles”, argumentou. “É uma bobagem imaginar que ministério custa muito. Se a gente for ver, as agências reguladores custam mais do que ministros”.

Cultura

“A cultura será muito importante. Além de recriar o ministério, vamos criar comitês estaduais de cultura, para ver se gente consegue nacionalizar a cultura, para mostrar o que acontecendo do ponto de vista cultural em Roraima, no Amapá, no Amazonas, no Pará, no Vale do Jequitinhonha, em Minas, no interior de São Paulo, do Rio Grande do Sul”, declarou.

“É preciso que a gente dê à cultura uma indústria, que é inclusive geradora de milhões de empregos. É preciso tratar isso com muito carinho, porque a riqueza cultural do Brasil é excepcional. É só andar o Brasil para se conhecer”, enfatizou.

Teto de Gastos

Lula voltou a criticar o teto de gastos e lembrou que suas gestões foram marcadas pela responsabilidade fiscal. “De todos os países do G20, o Brasil foi o único país que teve superávit primário todo ano. Eu não preciso de lei de teto de gastos. Quando você faz, é porque é irresponsável, porque não confia no seu taco, não tem segurança do que vai fazer”, desafiou.

“Quem obrigou o governo a fazer o teto de gastos? Foi a Faria Lima?”, perguntou. “Foi o sistema financeiro, que queria garantir o seu? Sem se importar que o povo tem direito a uma parte, que é preciso investimentos na saúde, na geração de emprego, para acabar com a fome, para melhorar as coisas no país”, sentenciou Lula.

Educação

Por isso o teto de gastos deve ser revisto, defendeu Lula, para investimentos sociais possam ser retomados. “Saúde, educação, ciência e tecnologia não é gasto na minha concepção, é investimento”, afirmou Lula. “Formar um engenheiro é tão importante quanto emprestar dinheiro para uma empresa, com juro baixo e dez anos de carência. Formar um médico, um pesquisador, é muito importante ao país”, justificou.

“Precisamos parar de discutir quanto vamos gastar e nos perguntar quanto custou ao país não fazer as coisas na hora certa. Quanto custou não investir em educação no começo do século passado? Quanto custou não investir na saúde, não melhorar a vida do povo trabalhador  no momento em que todo o mundo melhorou?”, indagou.

“Sempre ficamos para trás, fomos o último país a abolir a escravidão, a ter independência, o último a ter universidade. Como se explica a Argentina ter quase 40% dos jovens de 19 a 24 anos na universidade, o Chile, e o Brasil, somente no nosso governo, e que chegou a 17%, porque era menos do que 11%?”

Petrobras e soberania

Lula voltou a criticar a sanha entreguista do governo ao planejar privatizar setores estratégicos para o desenvolvimento nacional, especialmente no setor de energia. “Quando nós encontramos a mais importante jazida de petróleo no século 21, resolvemos destruir a Petrobras”, criticou, referindo-se a Bolsonaro.

“Revolvem privatizar a BR, gasoduto, vender refinaria. Hoje, um país que poderia ser a sexta economia mundial, é a décima terceira. Um país que é autossuficiente em petróleo, que poderia estar exportando derivado, não tem capacidade de refinar a quantidade que precisamos para consumir”, disse, indignado.

“Isso aqui não é república de bananas, o Brasil pode estar no mesmo patamar da China, dos EUA, da Alemanha, somos grandes. O que não podemos é pensar pequeno, achar que tem que vender porque o Estado não tem competência para nada”. Lula anunciou ainda que, se eleito, irá mudar a atual política de preços da Petrobras, que hoje penaliza a população com a inflação gerada pelo governo.

Estado e bancos públicos

Lula salientou o papel dos bancos públicos no desenvolvimento nacional e também na solução de crises, como a de 2008/2009. “Quem salvou a economia brasileira? Foram os bancos públicos. Quando a coisa tá feia, quem resolve é o Estado. Quando tá boa, todos falam, é o mercado, é mercado”, zombou.

“Quando o Lehman Brothers quebrou, quem salvou a economia foi o Estado, gastaram trilhões de dólares para recuperar a economia americana”, comparou o ex-presidente.

Democracia

Lula voltou a defender o processo eleitoral e elogiou as iniciativas da sociedade civil para rechaçar o golpismo de Bolsonaro, inclusive com a adesão de empresários às trincheiras da luta democrática. “Todos os brasileiros, homens e mulheres, precisam brigar muito para que a gente mantenha a consolidação do processo democrático no país”, afirmou Lula.

“Não podemos permitir que uma mentira, contada por um bronco que todo dia conta seis ou sete mentiras, tenha força nesse país”, reagiu Lula. “Estou muito feliz porque os intelectuais e os empresários resolveram se mexer, nos anos 70 e 80 foi assim, para consolidar a democracia”.

Lula alertou ainda que não é papel das Forças Armadas cuidar do processo de votação no país. “Discutir urna eletrônica é uma questão da sociedade civil, dos partidos, dos políticos e da Justiça Eleitoral, é assim que deve ser”, advertiu.

Orçamento secreto e centrão

Lula classificou o orçamento secreto como uma “excrescência” da política atual, um instrumento de manipulação do atual presidente pelo centrão. “O relator tem mais poder que o ministro, que o presidente da República? Onde aconteceu isso na história? Acontece agora, porque o presidente não tem poder, ele é uma marionete”.

“Eu era deputado quando vi o centrão ser criado. E foi criado para evitar o avanço da sociedade civil nas conquistas sociais da nossa Constituição”, observou Lula.

Violência política e Marcelo Arruda

Lula demonstrou preocupação com a escalada da violência política patrocinada por Bolsonaro, algo inédito na história da democracia brasileira, e que foi a causa do assassinato do petista Marcelo Arruda. “Existe uma frente bolsonarista que é frente do ódio, da violência, que quer atirar, matar”, lamentou Lula.

“Bolsonaro tem responsabilidade na morte do Marcelo”, frisou Lula. “É ele quem está instigando [a violência] no discurso dele, nas lives, no chiqueirinho onde fala todo dia”.

Lula insistiu que a polarização deve se dar no âmbito do debate político, como sempre ocorreu, historicamente, com partidos rivais, caso do PSDB. “Ele não sabe o que é polarização, ele é o ódio ao bom senso”, apontou. “Marcelo foi vítima do ódio”. E prometeu uma campanha sem ódio, com propostas claras para a reconstrução e transformação do Brasil.

(Matéria publicada originalmente no Portal do PT)

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