Artigo: reforma política deve promover avanço democrático

O vereador Antonio Donato publicou na Folha de S. Paulo de sábado (2/5) artigo criticando o projeto que estabelece o voto distrital puro na eleição para vereador em 2016.

Urna

Pela proposta, que passou pelo Senado e agora precisa ser votado na Câmara dos Deputados, a cidade de São Paulo seria dividida em 55 distritos, sendo eleito o candidato mais votado de cada localidade. No texto, Donato explica que o projeto não é o melhor caminho para dar início à reforma política que o Brasil tanto precisa. Confira o texto:

Mais defeitos que virtudes

O debate da reforma política está na ordem do dia da nossa sociedade. Mudar o sistema de representação não é a panaceia para todos os males, mas, na atual situação, é um grande passo para darmos novo rumo à democracia brasileira.

A adoção do voto distrital puro nas eleições para vereador, porém, não é a melhor alternativa para dar início a essa reforma. Por não atacar os principais males da política brasileira, o projeto do senador José Serra (PSDB-SP) tem mais defeitos que virtudes.

Acabar com o programa de rádio e televisão para candidatos não vai diminuir os custos de campanhas eleitorais. As mídias eletrônicas têm papel secundário nas eleições legislativas municipais. Sem imposição de limite de gastos, um candidato poderá empregar mais recursos em um determinado distrito, abusando do poder econômico.

Ademais, o foco deveria ser o fim do financiamento privado. Sua extinção, com o estabelecimento do financiamento público, eliminaria a nociva interferência do poder econômico de grandes corporações, que distorcem o processo eleitoral.

O voto distrital também não ataca outro mal da política: a excessiva personalização. O debate programático sobre o conjunto de problemas da cidade será minimizado e as questões de cada distrito terão mais peso no Parlamento.

A cidade não é a somatória de distritos, mas, sim, um organismo vivo, transversal e dinâmico, com pessoas morando em um distrito, trabalhando em outro e estudando em um terceiro. Também dificilmente seriam eleitos representantes de minorias, de categorias profissionais ou de defensores de causas, como os ambientalistas.

Mas o mais grave é que esse sistema induz a uma sub-representação de correntes políticas hoje minoritárias. Poderemos ter a situação absurda de um partido que tenha, por exemplo, 30% dos votos em todos os distritos e não conseguir eleger nenhum vereador.

O argumento de que o número de candidatos cairá também é falho. Supondo que São Paulo seja dividida em 55 distritos, conforme o número de vereadores, poderemos ter 1.760 candidatos se cada um dos 32 partidos existentes lançar o seu. Portanto mais candidatos do que na última eleição municipal.

E estabelecer o recorte geográfico dos novos distritos eleitorais de maneira equânime, sem favorecer partidos ou candidatos, não será uma tarefa simples.

Virtuosa, há de se reconhecer, é a busca da aproximação do eleitor do eleito pelo voto distrital. Esse distanciamento provoca o desinteresse da população pela política, mas, diante de tantos defeitos do projeto, esse benefício se torna menor.

Uma reforma política, a meu ver, deve contemplar voto em lista partidária e financiamento público de campanha. Assim, os gastos poderão ser realmente controlados e a discussão programática será a protagonista das eleições.

Claro que democracia se faz buscando consensos, e possíveis convergências entre as propostas são necessárias. Então, diante das duas propostas (distrito e lista) a adoção de um modelo misto, com voto em distrito e voto em lista, pode ser uma alternativa. Não se perderiam os temas locais nem a representação de minorias, causas e categorias.

Vale lembrar que o modelo distrital misto foi adotado na Alemanha pós-guerra, quando havia uma divisão de opiniões entre a adoção do sistema distrital puro e do voto em lista partidária.

Ainda que seja contrário ao voto distrital puro, a discussão do projeto é salutar, pois alimenta ainda mais o debate em torno de uma tão necessária reforma política. O Congresso precisa ouvir os diversos setores da sociedade, esgotar o tema e não tomar decisões precipitadas.

ANTONIO DONATO, 54, vereador pelo PT, é presidente da Câmara Municipal de São Paulo. Foi secretário de Subprefeituras (gestão Marta) e secretário de Governo (gestão Haddad)

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